Jornada da Heroína: a busca da mulher para se reconectar com o feminino

A Jornada da heroína - Despertar da Loba por Renata Matos

Alguns livros representam um divisor de águas na vida da gente. Eu fui muito impactada com a leitura de “Mulheres que Correm com os Lobos”, da psicanalista junguiana Clarissa Pinkola. Foi uma leitura que me revirou do avesso e me fez redirecionar a minha vida em muitos sentidos, inclusive inspirou a criação do Despertar da Loba. E posso assegurar que, até aqui, o segundo livro que marcou minha vida foi “A Jornada da Heroína”, de Maureen Murdocock.

Desde os primórdios da humanidade, as narrativas têm desempenhado um papel crucial na transmissão de valores, conhecimentos e experiências. Uma das estruturas narrativas mais poderosas é a Jornada do Herói, popularizada por Joseph Campbell em seu livro “O Herói de Mil Faces”. Maureen mostra que as mulheres tem uma mitologia diferente da dos homens.

É nesse contexto que surge “A Jornada da Heroína. O livro foi publicado pela primeira vez em 1990, mas segue atual e necessário, oferecendo uma narrativa que reflete as experiências, desafios e conquistas das mulheres.

Murdock baseou sua obra em suas próprias experiências pessoais, bem como em seu trabalho com mulheres em terapia. Ela percebeu que, embora a Jornada do Herói de Campbell fosse profundamente inspiradora, muitas mulheres não conseguiam se identificar totalmente com ela.

A busca pela totalidade

A Jornada da Heroína é uma narrativa profunda e reveladora que emerge da busca da mulher por sua totalidade e autenticidade em um mundo que há séculos privilegia o masculino.

Dentro de uma cultura amplamente estruturada e dominada por valores e normas masculinas, as mulheres frequentemente se veem à margem, lutando para reconciliar suas experiências e identidades com um padrão que muitas vezes não reflete a sua realidade.

Historicamente, o mundo foi moldado por uma estrutura patriarcal que define o sucesso e o valor com base em critérios predominantemente masculinos. Essa organização tem raízes profundas, sustentada por valores que, ao longo do tempo, foram estabelecidos como os únicos “aceitos” e revalidados pela sociedade em geral.

Nesse contexto, surge uma das principais questões levantadas por Maureen Murdock: como a mulher pode se relacionar com o feminino quando o padrão reconhecido de sucesso e realização é predominantemente masculino?

A autora explora essa questão ao mapear o caminho da mulher para encontrar seu próprio sentido de realização e identidade. A Jornada da Heroína não é apenas um espelho das lutas individuais, mas também um reflexo das tensões culturais mais amplas que moldam a experiência feminina.

Ela destaca a necessidade de um novo paradigma que reconheça e valorize o feminino não como uma alternativa ao masculino, mas como uma parte integral e essencial da experiência humana.

 

Quando Conquistar Não é o Suficiente

Na jornada de muitas mulheres que buscam o sucesso e o reconhecimento, um paradoxo intrigante frequentemente emerge: após conquistar tudo o que sempre desejaram, elas se deparam com um sentimento inquietante de vazio. Apesar de terem alcançado suas metas, muitas sentem-se desconectadas de si mesmas e, em alguns casos, até desenvolvem doenças físicas ou mentais.

Este fenômeno é um reflexo de um desequilíbrio profundo que pode ocorrer quando a busca pelo sucesso é feita através de um modelo que não leva em conta a totalidade da mulher.

 

Ilusória dádiva do sucesso

A ilusória dádiva do sucesso deixa estas mulheres exaustas e sofrendo de doenças como estresse, ansiedade e o burnout. Não era bem isso que as mulheres buscavam quando decidiram ir em busca do sucesso e reconhecimento. Ao alcançar o topo, as mulheres não queriam sacrificar o corpo e a alma.

Ao perceber os dados físicos e emocionais, as mulheres encaram a sua jornada heroica de fazer as coisas do seu jeito, da forma feminina. Elas vão em busca do lugar que reconhece e valoriza quem elas são como mulheres e abrem mão de ser um “pseudo-homem”.

Em um esforço para se desvincular das associações negativas com o feminino — muitas vezes vistas como fraquezas em uma cultura dominada por padrões masculinos — a heroína pode inadvertidamente criar uma cisão dentro de si mesma. Ela aprendeu a operar com lógica e eficiência, mas a um custo elevado: a sacrifício de sua saúde, sonhos e intuição.

A jornada do herói, com seu foco na conquista e na realização externa, muitas vezes leva as mulheres a adotar um modo de ser que está alinhado com o modelo masculino de sucesso.

Contudo, essa adaptação pode resultar em uma desconexão com aspectos essenciais do feminino, como a criatividade, a intuição e o autocuidado. Esse desequilíbrio interno pode deixar cicatrizes emocionais e psicológicas que precisam ser reconhecidas e tratadas para alcançar uma verdadeira sensação de plenitude.

 

O pai internalizado

Além disso, muitas mulheres descobrem que suas aspirações para conquistar sucesso e reconhecimento podem, em última análise, estar ligadas a um desejo de agradar o pai internalizado — uma figura que simboliza padrões de aprovação e sucesso masculinos.

Essa realização pode gerar uma profunda sensação de desolação, uma vez que o sucesso conquistado não preenche o vazio interior que resulta da falta de autenticidade e conexão consigo mesma.

O que frequentemente acontece é que essas mulheres não avançaram o suficiente em sua jornada de libertação. Elas se acostumaram com o modelo masculino de sucesso e realização, sem explorar e integrar a totalidade de quem são.

Esse modelo, embora útil para alcançar objetivos externos, não é capaz de satisfazer as necessidades de uma mulher inteira. Para encontrar verdadeira realização, é essencial ir além dos padrões masculinos e abraçar um caminho que honre e integre todos os aspectos do feminino.

 

Jornada de libertação

A verdadeira jornada de libertação envolve a redescoberta e a acolhida de si mesma em sua totalidade. Significa reconhecer e valorizar tanto as qualidades tradicionalmente associadas ao masculino quanto aquelas associadas ao feminino.

É um processo de cura e reconexão que vai além das conquistas externas, focando na criação de uma vida que seja autêntica, equilibrada e plenamente satisfatória.

A reconexão com aspectos que foram historicamente desvalorizados ou ignorados, como a intuição, a criatividade e a empatia são essenciais para que a mulher exista em sua totalidade.

Esses são atributos frequentemente associados ao feminino e que têm sido relegados ao plano secundário por uma cultura que prioriza a lógica, a razão e a objetividade, que são tradicionalmente vistas como características masculinas.

Reconhecer e valorizar essas qualidades é crucial para que as mulheres possam criar um caminho de sucesso que seja verdadeiramente significativo e autêntico para elas.

O processo de autodescoberta e reconexão pode ser desafiador, pois implica em desafiar normas e expectativas estabelecidas, muitas vezes enfrentando resistências tanto internas quanto externas.

No entanto, é através dessa jornada que as mulheres podem encontrar uma nova forma de poder e realização, que não apenas aceita o feminino, mas o celebra como uma força vital e indispensável.

Caminho da realização plena

Portanto, para muitas mulheres, o caminho para a realização plena não é apenas sobre conquistar metas externas, mas sobre encontrar um espaço onde possam ser verdadeiramente elas mesmas.

É sobre integrar a lógica e a intuição, a eficiência e a criatividade, o sucesso e a autenticidade. Somente assim é possível alcançar uma verdadeira sensação de completude e felicidade.

Sou suspeita, mas posso garantir que “A Jornada da Heroína”, de Maureen Murdock, é um livro fascinante e transformador, que oferece uma nova lente através da qual podemos entender as experiências das mulheres em busca de autodescoberta e realização.

Na Jornada da Heroína, somos convidadas a questionar e redefinir o que significa ser bem-sucedida. Essa jornada não é apenas sobre alcançar objetivos, mas sobre encontrar um equilíbrio e uma harmonia que respeitem e integrem tanto os aspectos masculinos quanto os femininos da vida.

É um convite para reimaginar e reconstruir um mundo onde todos possam se sentir inteiramente reconhecidos e valorizados.

O livro trata de uma jornada interior fundamental para que a mulher se torne um ser humano integrado e equilibrado em suas polaridades (masculino e feminino). Não é uma trajetória fácil, mas traz grande satisfação quando alcançada.

 

Riqueza da experiência feminina

Ao destacar as jornadas únicas das heroínas, Murdock enriquece nosso entendimento da complexidade e da riqueza da experiência feminina, inspirando as mulheres a abraçarem plenamente sua própria jornada da heroína e a fazerem as coisas e experimentarem a vida no seu lugar de mulher.

Portanto, a Jornada da Heroína é uma exploração contínua e transformadora que oferece às mulheres uma oportunidade de reivindicar seu espaço e seu poder de uma maneira que honra e celebra sua verdadeira essência.

É um chamado para todas nós reconhecermos o valor intrínseco do feminino e a construir um futuro onde a totalidade de cada indivíduo, possa ser verdadeiramente apreciada e celebrada.

 

 

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